A contagem regressiva da crise mundial


Por Luis Nassif*

Para entender um pouco mais a impotência do Banco Central para enfrentar a apreciação cambial, é importante uma pequena retrospectiva sobre o que foi a crise de 1929. Há inúmeros paralelos entre ciclos de crise – mesmo que em períodos muito distintos.

Primeiro, grandes mudanças tecnológicas exigindo recolocação do capital para as novas atividades. Depois, uma enorme movimentação no sistema financeiro, tornando-se cada vez mais globalizado e com ferramentas cada vez mais sofisticadas para aproveitar o momento.

Com o tempo, os gestores financeiros aprendem a operar em vários mercados e a desenvolver análises de risco cada vez mais complexas, tornando-os cada vez mais imprudentes. Por exemplo, aplicam no mercado 1 achando que se houver uma queda nele, será compensada por uma alta no mercado 2. Com o tempo esses modelos tornam-se cada vez mais complexos, passando aos gestores a impressão de que os hedges (essa maneira de se segurar em vários mercados) garantem a segurança absoluta.

Nesse quadro, ocorre um enorme aumento da liquidez internacional - com a mesma quantidade de moeda é possível realizar muito mais negócios graças aos diversos tipos de mercado existentes.

Paralelamente, houve redução geral nas taxas de juros internacionais. Sempre que as taxas caem, aumenta o valor dos ativos reais. Esse movimento induz os gestores de fundos a tomar empréstimos em países com juros mais baixos para aplicar naqueles com juros mais altos.

Anos atrás criei a expressão "cabeças de planilha" para definir analistas de mercado e economistas que julgavam ter conseguido colocar numa planilha todas as variáveis da economia.

A economia mundial passa por transformações estruturais. Emergem novas potências, puxadas pela China, países emergentes deixam de ser devedores e se tornam grandes investidores internacionais, há o advento de novas massas consumidoras. Enfim, um conjunto de mudanças que altera completamente o equilíbrio anterior.

Todas essas mudanças foram ignoradas por esses planilheiros, convictos de que o modelo colocado em suas planilhas era imutável.

A crise os pegou de calças curtas, primeiro afetando o sistema financeiro e os mercados. Ao paralisar o mercado de crédito, passou a afetar a atividade real.

Houve dois impactos sobre as contas públicas: a ajuda maciça aos bancos e a queda da atividade econômica.

Mais que isso: no período de bonança foram tomados empréstimos pesados (e rentáveis para a banca) tendo por base um nível de atividade maior. Com as contas públicas quebradas, tornou-se impossível a muitos países honrar seus compromissos.

Ao mesmo tempo, a recessão tirou a legitimidade dos governantes para exigir mais sacrifícios da população – mesmo porque, em muitos países o período anterior foi caracterizado pelo desmonte do chamado Estado social.

Cria-se uma situação que, de um lado, exige coordenação global entre os países; mas, de outro, há um imobilismo gerado pelas crises políticas internas. É essa crise interna que provoca o pior dos mundos: o sentimento de cada país por si.

Guerra comercial - 1

Essa guerra se dá especificamente no campo comercial, principalmente através da taxa de câmbio. Numa ponta, os Estados Unidos resgatam bilhões em títulos públicos, para injetar dólares no mercado. Essa inundação de dólares enfraquece a moeda – tornando os produtos norte-americanos mais baratos no mercado internacional. E Obama não pode recuar senão sua popularidade despenca mais ainda.

Guerra comercial - 2

De seu lado, a China continua segurando sua moeda, mas começando a enfrentar problemas com a inflação. Na Europa, há dificuldades de monta de se chegar a consensos sobre a crise, especialmente devido à crise política interna de cada país. E sem esse consenso não há como esperar uma coordenação dos órgãos multilaterais – como FMI. É questão de meses para explodir o segundo tempo da crise internacional.

A crise e o Brasil - 1

Há dois canais de transmissão da crise no Brasil. Um, o canal do crédito. Nas crises de 1999 e 2002, sumiram de repente todas as linhas internacionais de crédito, ampliando bastante a crise interna. Em 2008 havia reservas cambiais mais robustas. Agora, elas estão em níveis elevados, permitindo ao Banco Central abastecer os bancos nacionais em caso de nova interrupção das linhas internacionais.

A crise e o Brasil 2

Por outro lado, as contas externas brasileiras só se sustentam devido aos altos preços obtidos no mercado de commodities. O real está apreciado devido a esse movimento de commodities mas, principalmente, devido ao diferencial entre os juros internos e os internacionais. No ano passado, o Banco Central resolveu taxar operações de curto prazo, mas o mercado driblou as restrições. Quando sentir que a farra acabou, haverá o estouro da boiada.

A crise e o Brasil - 3

A incógnita será o dia D. Se for mantido o ritmo de crescimento da China, as cotações de commodities permitirão ao país alguma folga. Se as cotações despencarem, haverá complicações adicionais e há quem coloque em dúvida se o volume de reservas será suficiente para segurar um estouro do câmbio. Na verdade, ele é quase inevitável, como pode ser percebido pelos sucessivos alertas do presidente do BC Alexandre Tombini.

A crise e o Brasil - 4

De qualquer modo, haverá impacto sobre a inflação. E aí o governo Dilma Rousseff será efetivamente colocado à prova. A crise de 2008 permitiu a consagração internacional de Lula, ao enfrentá-la com denodo, objetividade, estimulando o mercado interno para evitar a recessão. Deus ajudou preservando as cotações de commodities. Resta saber se continuará brasileiro.

* Luis Nassif é jornalista
Fonte: Blog do Nassif