Audiência discute entrada de capital internacional na Educação brasileira

A Comissão de Educação e Cultura promoveu nesta quinta-feira, dia 19/06/, audiência pública para discutir a participação do capital estrangeiro nas instituições de ensino brasileiras. O deputado Ivan Valente (Psol-SP), que sugeriu o debate, acredita que a entrada de investidores estrangeiros no setor de educação pode prejudicar a cultura nacional e até mesmo o crescimento econômico do País.

Ivan Valente é autor do Projeto de Lei 2138/03, que restringe os investimentos externos em instituições de ensino no Brasil. Segundo o projeto, o capital externo somente será aceito em escolas privadas brasileiras quando destinado à pesquisa e à extensão ou como apoio a instituições educacionais comunitárias ou filantrópicas.

Estiveram presentes na audiência o conselheiro da presidência da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) Édson Franco; o professor Francisco Miraglia Neto, da Universidade de São Paulo (USP); a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Lúcia Stumpf; o diretor de Relações Institucionais do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo (Semesp), Antonio Carbonari Netto; e o secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), José Thadeu de Almeida.

A presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Lúcia Stumpf, defendeu a regulamentação da participação do capital estrangeiro nas instituições de ensino brasileiras, principalmente no ensino superior. Em sua opinião, a medida pode coibir a mercantilização da educação.

Lúcia Stumpf afirmou que a recente abertura de capital das instituições privadas de ensino na Bolsa de Valores e a compra de universidades por grupos estrangeiros afetam a soberania nacional, porque essas entidades não discutem com a sociedade seus critérios para abertura de cursos ou oferta de vagas. "Os novos cursos não devem atender às demandas de mercado, mas ao interesse do País", disse.


Na foto José Thadeu de Almeida (CONTEE), Dep. Ivan Valente, Edson Franco (ABMES) e Antonio Carbonari (SEMESP)
| Credito: Gilberto Nascimento


O diretor de Relações Institucionais do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo (Semesp), Antonio Carbonari Netto, defendeu que a discussão do Projeto de Lei deve ser feita no âmbito da reforma universitária. Para ele, o assunto precisa ser discutido de forma mais ampla por tratar da livre iniciativa, tema regulado pelo Código Civil, pela Lei das Sociedades Anônimas, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e também pela Constituição.

Carbonari manifestou-se favoravelmente à participação do capital estrangeiro no ensino brasileiro. Segundo ele, para obter financiamento internacional, a instituição privada passa por auditorias mais rigorosas do que as realizadas pelo Ministério da Educação.

O diretor também criticou a reivindicação de uma maior regulamentação da entrada de capital privado na educação brasileira. Carbonari disse, no entanto, que todos os governos dos últimos 30 anos fizeram algum tipo de regulamentação sobre o assunto. Ainda segundo o diretor, a lucratividade dos investidores estrangeiros decorre da movimentação das mantenedoras na Bolsa de Valores e não do resultado da instituição mantida.

O professor de Matemática da USP, Francisco Miraglia Neto, defendeu a inclusão dos preços das mensalidades escolares entre os preços públicos administrados, como as tarifas de telefone, água e luz. Para ele, a educação é um bem público fundamental para a soberania nacional, independentemente de ser privada ou pública. Para ele, o debate não deve se restringir aos aspectos legais, mas deve ser transposto para o campo da ética social.

O professor criticou a presença de capital estrangeiro na educação brasileira. Em sua opinião, o conhecimento só é alcançado por meio da interdisciplinaridade e do tripé ensino-pesquisa-extensão, que muitas vezes não existem nas instituições privadas.

CONTEE critica desnacionalização e mercantilização da educação

O professor José Thadeu de Almeida, Secretário de Assuntos Educacionais da CONTEE, avaliou positivamente o debate. Para ele é importante discutir a questão avançando sobre o entendimento sobre os riscos que ingerência do capital internacional na educação do País.

O dirigente da CONTEE apresentou dados sobre o impacto da mercantilização da educação na formação dos profissionais, lembrando, por exemplo, o alto índice de reprovação dos bacharéis em direito no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Thadeu ressaltou que até mesmo alguns empresários de setor de educação são contra a participação de capital estrangeiro na educação, citando entrevista do professor de economia na Unicamp e Sócio-fundador da Facamp (Faculdades de Campinas/SP), Luiz Gonzaga Beluzzo, na revista Ensino Superior de novembro de 2007. Na ocasião, Beluzzo afirmou que “a entrada de capital estrangeiro nas universidades privadas é um problema gravíssimo. Na verdade, as empresas com capital aberto têm outros propósitos que não a educação. Sou sócio de uma faculdade privada e recebemos ofertas constantes, mas não estamos dispostos a fazer negócio, pois não queremos transformar aquilo num comércio”.

Thadeu ressaltou ainda que a lógica da lucratividade não é compatível com a alta qualidade do ensino. Segundo o professor, instituições que desejam preservar a qualidade da educação não podem aderir à perversidade da precarização das relações de trabalho e ensino em busca de lucro. “As instituições de ensino precisam cumprir o seu papel e ter compromisso com o desenvolvimento do País”, afirmou. O dirigente da CONTEE entregou aos presentes a Revista da Campanha “Educação Não é Mercadoria”, elaborada pela entidade e que aprofunda a discussão.

O deputado Ivan Valente (Psol-SP) afirmou que o PL 2138/03, de sua autoria, busca impedir a mercantilização da educação nacional. Na opinião do deputado, o dinheiro investido pelas instituições internacionais não traz conhecimento. "Pelo contrário, gera padronizações e diminui a qualidade", afirmou.

Clique aqui e ouça alguns trechos do debate.

Com informações da Agência Câmara
Publicado em 19/06/2008