Violência contra a mulher: os desafios para a efetiva aplicação da Lei Maria da Penha


As vítimas são muitas: Marias, Sônias, Valdetes, Cristinas. As soluções poucas para a inaceitável violência que faz parte do cotidiano de uma considerável parcela da população feminina brasileira.

No entanto, devido à mobilização e intensa luta contra a violência doméstica dos movimentos de mulheres e da sociedade civil organizada, há quatro anos as mulheres brasileira podem contar com um importante instrumento de defesa: A Lei 111.340 – popularmente conhecida como Lei Maria Penha, que atualmente encontra resistências para sua efetiva aplicação.

Maria da Penha Fernandes

Antes da Lei 11.340, sancionada pelo então presidente Lula, em 07 de agosto de 2006, mulheres que sofriam violência física e psicológica não tinham qualquer amparo legal para ver seus agressores atrás das grades, pois a pena se resumia ao pagamento de cestas básicas, se condenado.

A própria Maria da Penha Fernandes, que deu nome a lei, sofreu duas tentativas de homicídio por parte de Marco Antonio Viveiros, na época seu marido. Levou um tiro pelas costas enquanto dormia em 1983, que lhe deixou paraplégica. Anos depois, ele tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho.

Desde sua sanção, a Lei Maria da Penha foi considerada pelas entidades feministas uma das maiores conquistas das mulheres, pois trata-se do primeiro diploma legal federal destinado a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e o enfrentamento à violência de gênero.

Especialistas destacam que a lei trouxe para o campo jurídico a questão da violência doméstica que não era debatida.  “Você não via nenhum seminário para discutir a violência contra a mulher. Os juízes, promotores, defensores e advogados não faziam esse tipo de discussão, de avaliação, de interpretação. Portanto, a violência doméstica era um crime que estava inserido no nosso Código Penal como qualquer outro crime”, destaca a advogada Ana Paula Schwelm Gonçalves, ouvidora da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR).

A Lei garante que a mulher tem que estar acompanhada de um advogado durante todo o tempo do processo, ou seja, deve haver um advogado, ou um defensor para acompanhar. Orienta ainda que o Ministério Público tem que acompanhar o processo e que os juízes têm que analisar as  medidas protetivas de urgência. Como afastar por meio de medida cautelar o agressor da vítima.  

“Em relação à sociedade, também foi importante porque deu visibilidade a esse tipo de crime, que antes ficava só na esfera privada e no qual ninguém queria se envolver, porque era resolvido dentro de casa”, salienta Ana Paula.

Números da violência

Segundo Mapa da Violência no Brasil, um estudo patrocinado pelo Instituto Zangari com base em informações fornecidas pelo banco de dados do Sistema Único de Saúde (Datasus), mostrou que, no Brasil, apenas em 2010, dez mulheres foram assassinadas por dia – foram 41.532 vítimas de homicídio de 1997 a 2007.

Já a pesquisa Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado, realizada pelo Sesc e a Fundação Perseu Abramo, projeta que a cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas violentamente no Brasil. O estudo realizado em agosto de 2010 e feito em 25 estados brasileiros, ouviu 2.365 mulheres e 1.181 homens com mais de 15 anos.

Para chegar à estimativa de mais de duas mulheres agredidas por minuto, os pesquisadores partiram da amostra para fazer uma projeção nacional. Concluíram que 7,2 milhões de mulheres com mais de 15 anos já sofreram agressões - 1,3 milhão nos 12 meses que antecederam a pesquisa.

Entre os pesquisados, 85% conhecem a lei e 80% aprovam a nova legislação. Mesmo entre os 11% que a criticam, a principal ressalva é ao fato de que a lei é insuficiente.

A boa notícia é que houve uma pequena diminuição do número de mulheres agredidas entre 2001 e 2010, que pode ser atribuída, em parte, à Lei Maria da Penha.

Intolerância e preconceito

Apesar de ter sido considerado um marco histórico para as mulheres brasileiras, a Lei Maria da Penha ainda encontra muita resistência para sua aplicação e correta interpretação.

Juízes e delegados, resistentes e até contrários a sua aplicação, questionam sua constitucionalidade. Além disso, o artigo que garante que a vítima não será coagida a retirar a denúncia vem sendo questionado nos tribunais superiores.

Exemplo disso foi o caso do juiz Edilson Rodrigues, da cidade mineira de Sete Lagoas, que chegou a chamar a lei de “diabólica”, considerando-a inconstitucional. Além de afirmar que o mundo é masculino e que os homens que não quiserem ser envolvidos nas "armadilhas" dessa lei, que considera "absurda", terão de se manter "tolos", Edilson Rodrigues rejeitou pedidos de medidas contra homens que agrediram e ameaçaram suas companheiras.

Todos os casos que julgou, Rodrigues ignorou a validade da lei em sua comarca, que abrange oito municípios da região metropolitana de Belo Horizonte. O Ministério Público recorreu ao Tribunal de Justiça. Conseguiu reverter em um caso e ainda aguarda que os outros sejam julgados.

O caso do juiz mineiro, apesar de ser estarrecedor, não é único. Pouco divulgados pela mídia e abordados de forma equivocada, multiplicam-se pelo país casos de violência contra a mulher que são julgados de forma preconceituosa e que muitas vezes terminam com o assassinato da vítima.

O caso da advogada Mércia Nakashima, baleada e afogada em São Paulo; da modelo Eliza Samudio, assassinada; da adolescente Eloá, baleada pelo namorado, após ter sido refém em sua própria casa, na região do ABC paulista; a cabeleireira Islaine de Moraes, de Belo Horizonte, que levou sete tiros do ex-marido enquanto trabalhava, em janeiro de 2009. Todos tendo como protagonista a violência.

Igualdade de direitos e oportunidades

Para estudiosos do tema e especialistas, embora a Lei Maria da Penha represente um avanço, não está sendo o suficiente para mudar o pensamento cultural machista. Segundo a pesquisadora Débora Diniz, da Universidade de Brasília, a mobilização será a chave para a definitiva instalação dos mecanismos previstos na lei.

Mobilização esta que é defendida pelas entidades que atuam em defesa dos direitos das mulheres como a União Brasileira de Mulheres (UBM). Na opinião das militantes toda essa discussão passa pelo problema da igualdade de salários e oportunidades entre homens e mulheres. “O principal obstáculo para se romper uma relação violenta é a questão econômica”, revela Rozina Conceição, coordenadora da UBM-SP.

Nessa luta por igualdades de direitos que entra em cena o Projeto de Lei da Igualdade nas Relações de Trabalho, que está em trâmite no Congresso Nacional. De autoria da deputada federal Alice Portugal e do deputado Valtenir Pereira (PSB-MT), o PL aborda as formas de discriminação de gênero contra a mulher, o assédio no local de trabalho, o equilíbrio entre as responsabilidades familiares e e da assistência em creche e a obrigatoriedade da constituição da Comissão Interna Pró-Igualdade (CIPI) nas empresas de médio e grande porte.
"Vivemos num país culturalmente machista, portanto é necessário e urgente leis de impacto para reverter esse cenário. Não podemos aceitar que a mulher faça o mesmo serviço que o homem e ganhe menos pelo simples fato de ser mulher. A creche tem que se tornar um direito da mulher e do homem, pois ambos saem para trabalhar. Lutamos por uma lei que garanta às mulheres direitos iguais", revela Raimunda Gomes, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB Nacional.

Na opinião da sindicalista, merece destaque também os programas de prevenção e erradicação da violência contra as mulheres realizados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres. “São ótimas iniciativas, mas precisam continuar sendo fortalecidas e tendo investimento para a efetiva aplicação destas políticas públicas”, destaca.

Um desses projetos é o “Fortalecer o Protagonismo no Enfrentamento Contra as Mulheres na Democratização da Mídia”, que com recursos da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), pretende garantir a implementação da Lei Maria da Penha e ao mesmo tempo conseguir fazer o exercício do controle social da veiculação de conteúdos discriminatórios na mídia.

Outra proposta da SPM é o envolvimento das mulheres na discussão do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.  Lançado em agosto de 2007 pelo presidente Lula, como parte da Agenda Social do governo federal, hoje, o Pacto conta com a adesão de 25 estados brasileiros e o Distrito Federal, 23 Organismos Estaduais de Políticas para as Mulheres com gestoras do Pacto, 27 Projetos Integrais Básicos elaborados, 25 Acordos de Cooperação Federativa assinados; e 22 Câmaras Técnicas Estaduais instaladas.

“Temos como desafio urgente a criação de uma cultura de igualdade entre as pessoas e especialmente uma cultura que legitime a autonomia e liberdade das mulheres”, finaliza a secretária nacional da mulher trabalhadora.

Fonte: CTB